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Um parecer jurídico…

Por Frederico Afonso*

O que é um “parecer jurídico”?

O termo parecer, sob o aspecto etimológico, vem do latim tardio parecere, do latim pareo, basicamente uma “Opinião baseada em argumentos”[1].

Ao pesquisar “Seu Google”[2] – “O parecer jurídico é uma análise técnica de uma situação ou processo que, acompanhado de um raciocínio jurídico, trará referências doutrinárias e jurisprudenciais em conjunto com a opinião técnica do parecerista”.

Por sua vez “Dona Wikipedia”[3] afirma que “Em direito, um parecer jurídico é, em certas jurisdições, uma explicação escrita por um juiz ou grupo de juízes que acompanha uma ordem ou decisão em um caso, estabelecendo a razão e os princípios legais para a decisão”.

“Seu Google” e “D. Wikipedia” não são consultas “exemplares” ao meio jurídico, acadêmico ou editorial, portanto, “vamos aos livros”:

Segundo Valdemar da Luz[4], parecer é uma “Opinião fundamentada a respeito de uma lei, artigo de lei ou questão de direito ou fato emitida por jurista, Ministério Público, assistente jurídico ou operador do Direito quando estes lhes forem submetidos. O parecer jurídico elaborado por jurista ou advogado de notória especialização não encontra previsão legal em nosso ordenamento jurídico, mas pode ser apenas admitido como mais uma prova documental. Assim, no âmbito do Poder Judiciário, os juízes não estão obrigados a aceitar, como forma de decidir, os pareceres emitidos por juristas ou pelos membros do Ministério Público sobre os processos submetidos à sua apreciação”. (g.n.)

Por sua vez, Donaldo J. Felippe[5] afirma que parecer é a “Opinião que o advogado, consultor jurídico, procurador de órgão da administração pública, ou qualquer funcionário competente, apresenta sobre determinada matéria, de acordo com os seus conhecimentos profissionais ou funcionais. Conceito técnico sobre determinado assunto.” (g.n.)

Na obra “A Constituição e o Supremo”[6], com quase duas mil páginas, há apenas uma menção à expressão (o mesmo julgado repetido por duas vezes[7]), sem qualquer maior relevância à questão.

Superada essa questão então de “mera opinião”, “podendo ser admitido ou não” e “não abordagem pela jurisprudência da Suprema Corte”, chego ao Parecer Jurídico da “DTA – Soluções Jurídicas”, a pedido da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ), datado de 06 de junho de 2024. Importantíssimo lembrar que a ADPJ[8] e a ADPESP[9] (Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo) possuem o mesmo presidente: o ex-cabo da Polícia Militar do Estado de Pernambuco (PMPE), atualmente Delegado de Polícia André Santos Pereira, o que as torna (as associações) “gêmeas vitelinas” (não são a mesma pessoa, mas de muita semelhança).

Quem encomenda um parecer, precisa de uma opinião favorável, similar à uma “testemunha de defesa”, caso contrário seria ilógica a situação, portanto, o parecer acaba ganhando “mais ou menos relevância” por quem o assina. Há pareceres que custam milhões, justamente pela larga carreira exitosa daqueles que o assinam. Desta forma, um parecer “é suspeito”? Talvez não seja a palavra mais adequada, mas quem contrata, como escrevi acima, quer algo para corroborar suas ideias, suas intenções.

Ao analisar o parecer encomendado pela ADPJ, no tocante à questão do termo circunstanciado, aquele já adotado em 18 entes da Federação (17 estados e o Distrito Federal), aquele adotado desde 1996 pela Brigada Militar (Polícia Militar do estado do Rio Grande do Sul), concluiu que “é imperativo que a lavratura de TCO permaneça como atribuição exclusiva das Polícias Civis”. Como se diz coloquialmente “surpresa zero”.

Gastar o tempo, que sempre será precioso, pois jamais voltará, acerca de um parecer, é sempre desgastante, isso por que as entidades de classe da Polícia Civil e Polícia Militar têm causas comuns para lutarem ao invés se digladiarem por decisões já superadas (o parecer aponta que as decisões do Supremo Tribunal Federal devem ser “rediscutidas e reinterpretadas à luz das novas disposições legais”), em referência às novas leis orgânicas recentemente publicadas.

O parecer aponta que houve uma “redefinição” ou um “realcance” das funções exercidas pelas policiais civis do país com o advento da Lei nº 14.735/23 (Institui a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis), relacionando que isso teria alcançado a questão do termo circunstanciado ou crime de menor potencial ofensivo, porém, a nova lei em NENHUM MOMENTO AFIRMA ISSO! Aliás, fica o convite ao nobre leitor: acesse a lei[10], dê um “comando de localizar” e mostre-me em qual parte há qualquer referência nesse sentido…

Nossa Lei Maior há quase 36 anos definiu as competências das polícias (excetuando as polícias penais em decorrência do poder constituinte derivado reformador). As competências das polícias civis e militares estão lá no art. 144. Com todo respeito ao parecer, mas “papel aceita tudo”.

A Suprema Corte poderá rever seus julgados? Olha, afirmo na condição de professor de direito constitucional (extensivo aos professores de processo penal) que nunca foi tão difícil lecionar as disciplinas acima. Vivemos uma insegurança jurídica, portanto, é óbvio que podem mudar. Mas no julgado sobre o caso em tela (termo circunstanciado elaborado pela polícia militar) ficou 11 X 0 (!!!)… Um dia poderá ser revisto, quem sabe né?

Partindo da premissa de um “novo Estado constitucional” (05 de outubro de 1988), muitas coisas evoluíram no trabalho das forças de segurança, temos inclusive desde de junho de 2020 a aceitação por parte do Ministério da Educação de um novo ramo da ciência a ser estudo: “Ciências Policiais”[11]. Não podemos ficar na “idade da pedra”, ou no século passado literalmente. A hermenêutica foi dada pela Suprema Corte, não por um parecer.

Na Ação direta de inconstitucionalidade 6.264 (DF), de 22 de fevereiro de 2023 (observem que do ano passado, não é algo de décadas…), novamente decidiu-se que “O TCO não é ato de natureza investigativa, uma vez que visa apenas a registrar em detalhes os fatos ocorridos. É incabível, portanto, a sua comparação com o inquérito policial, que, dada a natureza investigativa, é necessariamente presidido por delegado de polícia (polícia judiciária). O Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento de que é constitucional a lavratura de TCO por autoridade policial que não seja delegado de polícia, por não se tratar de atribuição exclusiva da polícia judiciária (ADI 5.637, Rel. Ministro Edson Fachin)” e ainda “Fixação da seguinte tese de julgamento: “O Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) não possui natureza investigativa, podendo ser lavrado por integrantes da polícia judiciária ou da polícia administrativa”. (g.n.)

A grande questão é por “luta de poder”? A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) não luta por poder, não quer tomar o lugar de ninguém, quer apenas melhorar a prestação de serviços para o cidadão que esteja no estado de São Paulo, morando, trabalhando, passeando… Mas deixo a pergunta: qual a luta da ADPJ e da ADPESP?

As funções de polícia judiciária, a apuração penal, as investigações e a condução do inquérito policial são atribuições inequívocas da Polícia Civil quando da prática de crimes comuns (não militares). Nessas atividades, aplicam-se as prerrogativas previstas na referida lei, ou seja, nenhuma inovação, porém, tais prerrogativas não se aplicam ao Termo Circunstanciado (TC), porque o seu registro não é inquérito policial e nem o substitui. Não é atividade privativa de polícia judiciária. E também não é procedimento de investigação.

Em conclusão básica, as leis orgânicas passaram por controles preventivos de constitucionalidade tanto no Legislativo (nas comissões de constituição e justiça de cada Casa), bem como, quando da análise do Executivo para sanção ou veto. As novas leis não interferem em nada acerca das decisões recentes da Suprema Corte sobre o tema, ao que parece, não muito aceito pelas ADPJ e ADPESP (sempre lembrando que já ocorre a elaboração do TC pelas polícias militares em 17 estados e no Distrito Federal).

Insustentável as alegações do parecer jurídico e seu uso pela ADPJ como argumento para não realização do TC no Estado de São Paulo.

 

* O autor é advogado (membro permanente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP), professor e escritor Jurídico. Membro da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos (ReBEDH). Mastering of Science in Legal Studies, Emphasis on International Law pela MUST University (Flórida/EUA). Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança Pública e Ordem Pública pelo Centro de Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos e pela Universidade São Francisco respectivamente. Especialista em Direitos Humanos, Gestão da Segurança e Ordem Pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Especialista em Direitos Humanos e em Direitos Humanos Aplicado pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e pela Faculdade CERS respetivamente. Especialista em Direito Constitucional e em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade CERS e pela Faculdade Legale respectivamente. Autor pelas editoras SaraivaJur, Forense, Método dentre outras. É professor de Direitos Humanos no Damásio Educacional, no Centro de Altos Estudos da Polícia Militar, na Academia de Polícia Militar do Barro Branco (SP) e na Diretoria de Polícia Comunitária e Direitos Humanos da Polícia Militar do Estado de São Paulo. É professor e coordenador da pós graduação em direito militar da Faculdade Legale. Atualmente é o diretor jurídico da Defenda PM e diretor de coordenação institucional e política da FERMESP – Federação das Entidades Representativas dos Militares do Estado de São Paulo.

[1] https://dicionario.priberam.org/parecer. Acesso em. 21.jun.2024.

[2] https://www.google.com/search?q=parecer+jur%C3%ADdico&oq=parecer+jur%C3%ADdico&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyCQgAEEUYORiABDIHCAEQABiABDIHCAIQABiABDIHCAMQABiABDIHCAQQABiABDIHCAUQABiABDIHCAYQABiABDIHCAcQABiABDIHCAgQABiABDIHCAkQABiABNIBCTQyNzRqMGoxNagCCLACAQ&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em. 20.jun. 2024.

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Parecer_jur%C3%ADdico. Acesso em. 20.jun. 2024.

[4] LUZ, Valdemar P. da. Dicionário jurídico. Barueri : Manole, 2014, p. 266.

[5] FELIPPE, Donaldo J. Dicionário jurídico de bolso. 17. ed. Campinas : Millennium, 2006, p. 200.

[6] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A Constituição e o Supremo. 6. ed. atual. até a EC 99/2017. Brasília : STF, Secretaria de Documentação, 2018.

[7] MS 24.631, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 9-8-2007, P, DJ de 1º-2-2008.

[8] https://www.adpj.org.br/institucional. Acesso em. 21.jun.2024.

[9] https://www.adpesp.org.br/diretoria. Acesso em. 21.jun.2024.

[10] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14735.htm. Acesso em. 21.jun.2024.

[11] Processo nº 23123.007756/2017-45 – Parecer CNE/CES nº 945/2019 – “DESPACHO DE 8 DE JUNHO DE 2020“, publicado no Diário Oficial da União nº 109, de 09 de junho de 2020.

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