* Por Ernesto Puglia Neto[1] e
Frederico Afonso Izidoro[2]
O maior bem da humanidade é a vida, com ela, discutimos as espécies de liberdade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, 1948), primeiro documento de fato sobre o tema após a criação das Nações Unidas (1945), afirma que “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
Tendo em vista sua natureza jurídica originária como mera recomendação, a DUDH foi “emendada” por duas normas essenciais em 1966 – Pactos Internacionais sobre direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, conhecidos como PIDC e PIDESC. O penúltimo assim afirma: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”. Por fim, ainda na seara internacional humanista, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), afirma que “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.
No âmbito interno, nossa Lei Maior (1988) afirma que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”.
Cabe lembrar, que desde o início do século XX, Max Weber já estabelecia o conceito de Estado e previa que o monopólio do uso da força legítima, ou seja, aquela aceita pela população, caberia ao Estado, algo central na teoria política moderna.
Em um Estado de Direito, espera-se que a lei regule aquela sociedade. Em um Estado Democrático de Direito, almeja-se que a lei seja escolhida pela sociedade, dando a esta a titularidade do poder, que pode ser exercido direta, indiretamente ou até mesmo, como no Brasil, numa forma mista e, neste contexto, está a escolha daqueles que deverão executar e fiscalizar as leis ali estabelecidas, tendo como consequência a escolha dos representantes legítimos para o uso da força, pois o monopólio do uso da força é fundamental para manter a ordem social e garantir a segurança interna, permitindo ao Estado proteger seus cidadãos contra a violência, o crime e o caos.
Saímos do mundo “teórico editorial acadêmico” para a realidade das ruas… Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública[1], “O Brasil fechou o ano de 2023 com o menor registro de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) desde 2010. Em 2023, foram registrados 40.464 CVLIs. […] São considerados CVLIs: homicídio doloso, latrocínio, feminicídio e lesão corporal seguida de morte”. Não precisa ser pesquisador, técnico ou de qualquer ofício para entender que a legislação não consegue fazer a prevenção como se esperaria. Nos faz lembrar a obra clássica de Jean Cruet – “A vida do direito e a inutilidade das leis”[2].
A morte é a eliminação da vida, a interrupção de um ciclo esperado (ou não). É a retirada compulsória daquele ser humano “do contexto”. Se a morte for do tipo “CVLIs”, esperamos que as forças de segurança nos protejam de tal situação. Mas e se a morte for justamente do nosso protetor, ou seja, de um policial em serviço?
Os administrativistas apontam que os agentes públicos carecem de vontade própria quando do exercício de sua função pública, pois agem exclusivamente na vontade da lei, até mesmo nas escolhas discricionárias (conveniência e oportunidade), será nos limites da lei, pela supremacia do interesse público, impessoalidade etc. Até pouco tempo sustentavam a inexistência dos “direitos humanos dos policiais” pela chamada “Teoria do Órgão”, ou seja, quem age é o poder público, por meio do seu agente, algo insano, pois é característica básica dos direitos humanos a inerência, bastando pertencer à família humana, mas recentemente, sustentaram que os policiais, aqui, em especial, os militares, seriam uma subespécie de humanos, principalmente nos “arredores de 07 de setembro de 2021”. Houve um artigo da revista Isto É, de autoria de Felipe Machado, no qual ela afirmara “Mensagem aos policias brasileiros: fiquem fora da política”[1], uma afronta tão grande ao segundo fundamento da República Federativa do Brasil – a cidadania, tão rasteiro, tão sujo, mas seguimos com o tema central: a morte de policial em serviço para entendermos essa correlação.
O policial e, aqui, farei uma distinção apenas pela função primária de prevenção, de efetivo e de maior combate, falo do policial militar, faz parte de um sistema de segurança pública descrito no art. 144 da Constituição Federal, fazendo parte de uma estrutura de segurança pública do seu Estado, sendo, portanto, parte estrutural da defesa contra a barbárie, contra a quebra da ordem, de forma bem coloquial, será ele, primariamente o responsável para que a bagunça não ocorra. Quando ele morre, fazendo seu ofício, morre o seu representante, aquele descrito na Lei Maior do País, aquele da estrutura direta do seu Estado, aquele responsável pela segurança da sua família, do seu patrimônio, da sua tranquilidade. Quando ele morre trabalhando, uma parte do Estado Democrático de Direito também morre com ele, e, por consequência, uma parte de nós morrerá junto, você, estimado leitor, estimada leitora, querendo, aceitando, ou não, considerando-o como um ser de “segunda espécie” como tornou-se praxe na imprensa brasileira, ou não, será este o raciocínio lógico-sistemático.
Estamos, mais uma vez de luto, pela morte do Soldado Samuel Wesley Cosmo da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Morre um guerreiro, morre um integrante do poder público, morre um representante da nossa força de segurança e claro, morre um filho, um pai, um irmão, um amigo, um tio, um companheiro de futebol, um amigo, mas isso é humanizá-lo, algo, que poucos, conseguem fazer no cenário atual.
Que Deus o receba!
[1] Doutor, Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Especialista em Direitos Humanos. Coronel da Reserva da Polícia Militar de São Paulo. Foi Diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos da PMESP. É atualmente o secretário-executivo da Associação dos Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar (DEFENDA PM). Consultor na área de chefia e liderança.
[2] Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Mestre e Bacharel em Direito. Coronel da reserva da Polícia Militar de SP. Foi chefe do Departamento de Direitos Humanos da PMESP. É atualmente o diretor jurídico da Associação dos Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar (DEFENDA PM). Advogado, membro permanente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP.
[1] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/balanco-2023-brasil-tem-menor-numero-de-assassinatos-dos-ultimos-14-anos. Acesso em: 3 fev. 2024.
[2] CRUET, Jean. A vida do direito e a inutilidade das leis. 2. ed. Leme: EDIJUR, 2003.